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Numa reportagem de Isabel Leiria em O Público de 15 de Junho regista-se a declaração de uma professora, Sofia Pereira, a propósito da proposta de participação de pais na avaliação do desempenho profissional anual dos professores: «No outro dia uma colega minha mandou um aluno para a sala de estudo [leia-se, de castigo] e ele disse logo: “ainda bem que para o ano é o meu pai que vai avaliar os professores”.»
Mais do que a interessante resposta, importa reter a natureza do castigo para além da implícita expulsão da sala de aula a que o aluno acabava de ser sujeito.
Ocorre-me, a propósito, como, no decurso de um projecto de intervenção pedagógica em que participei na Escola Paula Vicente, fui surpreendido por uma medida do Conselho Directivo que se revestia do mesmo significado que aqui quero sublinhar.
Um grupo de professores desenvolveu, ao longo dos últimos anos, um rigoroso e inovador programa de animação das bibliotecas escolares para desenvolvimento do gosto pela leitura e para apoio ao estudo na escola, liderado por Conceição Rolo e Margarida Leão. O Conselho Directivo decidiu que os alunos desocupados, por falta dos respectivos professores ou por terem sido expulsos das aulas, passassem a ocupar obrigatoriamente, a partir de então, os espaços destinados ao trabalho de pesquisa documental, estudo e leitura recreativa, necessários para o desenvolvimento daquele programa fundamental.
São dois exemplos, hoje correntes, de formas de ocupação, sentidas como castigo pelos alunos, em espaços escolares que deveriam ser exaltados pelo seu valor essencial para a construção de uma relação positiva e desejada com o saber.
A banalização perversa com que os professores tratam lugares de cultura, transformando-os em sítios de privação e de castigo, denuncia a falsa relação que muitos desenvolvem com a sua profissão, que devia alicerçar-se numa função social indispensável de agentes culturais.
Na mesma reportagem de O Público, Elvira Duarte, professora em Almada, num apelo às famílias para que se mantenham ao lado dos professores, declarava que «um país que não respeita os seus professores é um país profundamente doente».
Para que todos nos possamos respeitar, é fundamental que cada professor comece por cultivar o discernimento crítico e o amor pelo saber.
As declarações e os actos que sublinho representam graves traições à profissão e à cultura.
Quando dos professores esperamos que sejam portadores de cultura e criadores de humanidade devolvem-nos a culpa que lhes pertence e devastam os lugares de construção dos saberes com a sua indiferença. São estes alguns sinais do profundo equívoco em que nos encontramos.
Vem tudo isto a propósito do Estudo, tão mal tratado nas escolas e pelos professores.
Na escola que temos, império do método simultâneo, onde adultos ensurdecidos falam para ouvintes proibidos de falar, é cada vez mais difícil encontrar lugar para trabalho de estudo. Essa actividade central do labor intelectual foi expulsa da escola e tornou-se trabalho para casa. Assim se revela, de entre outras demasiadas coisas, a degradação cultural a que chegou a escola e a profissão docente.
Neste número monográfico de Escola Moderna, Ângela Rodrigues apresenta a componente teórica do estudo empírico que nos comunicou no nº 21 de 2004 (pp. 33-63) a propósito das dificuldades reveladas pelos alunos ao nível dos seus hábitos de trabalho intelectual, especialmente na compreensão e representação gráfica de textos.
Trata-se agora de mais um importante contributo para a formação no Movimento, sobre os modelos de compreensão da leitura, das estratégias de essencialização da informação, de utilização prática fundamental para cada um dos nossos alunos, bem como de uma breve perspectiva sobre Modelos de Estudo.
Estes auxiliares para o trabalho intelectual, quando estudamos ou quando acompanhamos o estudo dos nossos alunos são um pequeno passo necessário para quem vê “a aprendizagem como um conjunto de processos de interacção, de negociação e de colaboração, passando por formas de conhecimento socialmente apropriadas e transformadas através desses processos”, como nos lembra a Ângela, citando Palincsar (1998), a propósito da perspectiva sócio-cultural que informa o nosso trabalho no Movimento.
Sérgio Niza
1 comentário:
Sou professora do 1º Ciclo e mãe de um rapaz de 9 anos que frequenta o 4º ano.
Este texto, de Sérgio Niza, veio tocar numa ferida que infelizmente se encontra aberta em muitos professores e que é um dos motivos da existência de outra ferida, em mim, como professora e mãe.O meu filho não gosta da escola...foi uma vítima do "...império do método simultâneo...",onde não há respeito pelo ritmo de aprendizagem de cada um; foi vítima da exigência, da pressão psicológica, da rotulagem, da agressividade verbal, da comparação com outros sem nunca lhe ter sido dada oportunidade para se expressar!...mas não é sobre essa amargura que sinto pelo meu filho que quero fazer o meu comentário ao texto de Sérgio Niza, mas sim, ao trabalho de estudo.
Todos os dias, o meu filho traz, da escola, os olhos semicerrados com o peso da infelicidade como estudante e com o peso do estudo que vem para casa.(- Mãe, tenho uma poesia para fazer...- Mãe, tenho de fazer o resumo do livro, "A menina do mar"...- Mãe, tenho de fazer um texto humorístico em forma de diálogo.O que é um texto humorístico?...etc,etc,etc...)
Como professora, dedico toda a atenção e acompanhamento a este estudo, em casa, do meu filho, seguindo estratégias do M.E.M.
E os colegas dele que não têm uma mãe professora?E os colegas que estão entregues a si próprios neste estudo? Serão eles já verdadeiros poetas e escritores!!
Faz parte da nossa profissão docente mostrar o caminho, mostrar estratégias, acompanhar o processo, desenvolver este..."labor intelectual...".Não pensemos que com o treino, a repetição sem acompanhamento do processo os alunos chegam lá!...
Quando é que vou conseguir que o meu filho veja a escola como um local de prazer, pelo encontro com o Saber e a felicidade!?...
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