30 janeiro 2017

Se a Paz Fosse Coca-Cola…


A famosa bebida refrescante, criada nos Estados Unidos da América, celebra 130 anos. A Coca-Cola é vendida em mais de 200 países e são consumidas cerca de 1,9 mil milhões de garrafas por dia. A empesa Coca-Cola Company, através de fortes campanhas de marketing, alcançou o mundo inteiro.
A título de curiosidade, o primeiro slogan criado para a Coca-Cola, em Portugal, em 1929, foi criado por Fernando Pessoa: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se.” Por razões políticas, na época, o slogan acabou por não passar do papel e só depois do 25 de Abril, em Julho de 1977, é que a bebida entrou no nosso país.

Serve-me este exemplo para desenvolver um assunto preocupante que, gradualmente, vai aumentando um pouco por todo o mundo: a violência, o medo, o terror.

De um momento para o outro, quer por via dos meios de comunicação social, quer pelas redes sociais, somos invadidos por grotescas imagens de violência, por frases de vingança de políticos, de comentadores e dos mais diversos indivíduos. Esta espiral que inicia em focos muito precisos, acaba por expandir-se e alastrar-se, tornando-se, cada vez mais, um problema para 7 mil milhões de habitantes. Um problema para o mundo inteiro.

E este vocabulário violento, estas imagens de terror, vão-se infiltrando nas nossas mentes e nos nossos corações, fazendo emergir o pior de cada um de nós: o desejo de vingança. Amaldiçoa-se, insulta-se, injuria-se!

E é preciso parar! É preciso sentir a nossa essência e tomar consciência da nossa própria natureza. Somos pessoas más? Somos vingativos? Somos incapazes de manter a nossa paz e serenidade perante o mundo? Cultivamos a paz ou a guerra em nós?

Há uma lenda que aprecio particularmente e que nos pode fornecer uma mensagem importante para as nossas vidas:
Um monge e os seus discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião a ser arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e apanhou o animal. Quando o trazia para fora do rio o escorpião picou-o na mão. Devido à dor, o monge deixou-o cair novamente no rio. Foi então à margem, pegou num ramo de árvore, voltou outra vez a correr pela margem, entrou no rio, resgatou o escorpião e salvou-o. Em seguida, juntou-se aos seus discípulos na estrada. Eles tinham assistido à cena e receberam-no perplexos e penalizados.
— Mestre, o Senhor deve estar muito doente! Por que foi salvar esse bicho mau e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda: picou a mão que o salvava! Ele não merecia a sua compaixão!
O monge ouviu tranquilamente os comentários e respondeu:
— Ele agiu conforme a sua natureza e eu de acordo com a minha.
Os julgamentos, os juízos de valor, ou crenças dos outros não podem afetar-nos. Devemos agir de acordo com o melhor que existe em nós. Eu escolho a paz. Eu escolho o melhor de mim! É a minha natureza.

Julgo que precisamos de criar uma forte campanha de marketing para a Paz. Necessitamos de levar uma bebida refrescante e revigorante a todo o mundo. Precisamos de enviar uma mensagem de esperança a cada ser humano; uma mensagem para saciar a sede de viver em paz. Queremos uma Coca-Cola da Paz. “Primeiro estranha-se, depois entranha-se!


© José Paulo Santos
Artigo de Opinião Publicado
em Jornal A Voz de Cambra

Em Tempos de Ódio é Bom Andar Amado



“Nesses tempos de ódio, é bom andar amado” — não sendo minha frase e nem conhecendo o seu autor, reproduzo-a, pelo jogo de palavras usado entre “amado” e “armado” e por nos remeter para o equilíbrio: o ódio combate-se com amor.

Em primeiro lugar, é preciso identificar o ódio. Como se revela? Onde se situa? Como reagir a ele? Com certeza, a nossa tendência imediata é identificá-lo fora de nós. É o outro. São os outros. Eles é que são violentos, eles é que mostram cólera e ódio e maldade. Esses sentimentos, na verdade, todos nós já os experimentámos em algum momento da nossa vida. Uma emoção que não conseguimos conter, que nos domina e que se exprime por palavras, gestos, atitudes, alterações das expressões do rosto, dos olhos, de todo o nosso corpo. A nossa voz, o tom que empregamos é feroz, é agressivo, violento.

Ora, perante um cenário destes, onde toda a nossa energia negativa, violenta, brutal e cruel se manifesta diante do outro, como reage ele? Tem duas opções: a mais comum é preparar-se para retaliar, defendendo-se com as mesmas armas. Usa automaticamente as mesmas atitudes, as mesmas expressões, as mesmas palavras carregadas de violência e ódio. Ou, então, opta pelo silêncio, pela aceitação, por uma atitude de serenidade contrastante. Escuta atentamente o que o outro tenta exprimir. Usa a empatia e aproveita esse momento de conflito para evoluir.

Neste momento, o meu leitor deverá estar a pensar. “Olha, este está armado em Gandhi, em Luther King, Mandela ou Madre Teresa…”. Já me habituei, na verdade, a ouvir tais categorizações. Aliás, essa já é uma atitude de conflito, de provocação, de ironia, que me leva a procurar saber mais sobre o que leva uma pessoa a olhar-me desse modo. Uso a empatia. A escuta. Medo? Insegurança? Incapacidade de ainda acreditar? Também o outro pode evoluir, se for detentor de ferramentas, de processos e técnicas de comunicação que lhe permitam, também a ele, alterar a sua capacidade de observar, de reconhecer os seus próprios sentimentos e as suas necessidades.

Andamos programados. Ao longo da vida, desde o primórdio dos tempos, adquirimos o infeliz hábito de reagir ao conflito com a violência, nas suas múltiplas manifestações e expressões, física e psicológicas. Desde tenra idade, somos rodeados de tais energias tão negativas, seja na família, no casal, na tribo, na política, na religião, na televisão, nos jogos, no cinema ou até na escola. E vai-se perpetuando, porque ninguém nos ensina a fazer de modo diferente. Ninguém nos mostra no dia-a-dia que é possível “desprogramar” este código que até já parece genético, que nos faz crer que vem no nosso ADN, como se fosse uma maldição, um estado natural na vida.

É preciso que todos nós tenhamos essa consciência na nossa incrível força individual de ser um poderoso motor de mudança, no sentido de criar uma nova consciência comum. É possível criar um novo continente, o da relação. A relação comigo e com o outro, em paz, onde cuidamos da nossa higiene da consciência, dos nossos pensamentos e de actos saudáveis, com amor. É possível sim…

Eu ando prevenido: ando amado, em tempos de ódio. E tu?


José Paulo Santos
Artigo de Opinião publicado 
em Jornal A Voz de Cambra
10 de Maio de 2016

21 janeiro 2017

Carta Para o Mundo


A Paz aprende-se. Não estamos a falar do estado pacífico como oposição à guerra. Falamos da serenidade, da tranquilidade interiores de cada indivíduo. Da bondade. Falamos da profunda simpatia pelo que o outro vive ou vivencia na consciência de uma humanidade comum e partilhada, o que inclui a bondade face a si próprio.

Ora, a compaixão é uma virtude central em todas as religiões, quer seja o budismo, o hinduísmo, o taoismo, o confucionismo, o judaismo, o cristianismo ou ainda o islamismo. Todas as tradições religiosas se baseiam na Regra de Ouro: "Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti". Esta deve ser a doutrina central de todas as religiões a ser restaurada!

Baseada nesta regra fundamental, a britânica Karen Armstrong, após a sua participação numa conferência TED, em 2008, iniciou um breve documento com apenas 300 palavras, com contributos de pensadores, líderes religiosos de todo o mundo, além da participação de mais de 160 mil pessoas.

Lançada em 2009, a Carta foi traduzida em mais de 30 línguas e já foi assinada por mais de 3 milhões de signatários.

Esta é a Carta que transcende as diferenças religiosas, ideológicas e nacionais para se tornar num instrumento de mobilização global:

CARTA DA COMPAIXÃO

O princípio da compaixão é o cerne de todas as tradições religiosas, éticas e espirituais, nos conclamando sempre a tratar todos os outros da mesma maneira como gostaríamos de ser tratados. A compaixão impele-nos a trabalhar incessantemente com o intuito de aliviarmos o sofrimento do nosso próximo, o que inclui todas as criaturas, de nos destronarmos do centro do nosso mundo e, no lugar, colocar os outros, e de honrarmos a santidade inviolável de todo ser humano, tratando todas as pessoas, sem exceção, com absoluta justiça, equidade e respeito.
É necessário também, tanto na vida pública como na vida privada, nos abstermos, de forma consistente e empática, de infligir dor. Agir ou falar de maneira violenta devido a maldade, chauvinismo ou interesse próprio a fim de depauperar, explorar ou negar direitos básicos a alguém e incitar o ódio ao denegrir os outros - mesmo os nossos inimigos - é uma negação da nossa humanidade em comum. Reconhecemos que falhamos na tentativa de viver de forma compassiva e que alguns de nós até mesmo aumentaram a soma da miséria humana em nome da religião.
Portanto, conclamamos todos os homens e mulheres a restaurar a compaixão ao centro da moralidade e da religião, a retornar ao antigo princípio de que é ilegítima qualquer interpretação das escrituras que gere ódio, violência ou desprezo, garantir que os jovens recebam informações exatas e respeitosas a respeito de outras tradições, religiões e culturas, incentivar uma apreciação positiva da diversidade religiosa e cultural, cultivar uma empatia bem-informada pelo sofrimento de todos os seres humanos - mesmo daqueles considerados inimigos.
É urgente que façamos da compaixão uma força clara, luminosa e dinâmica no nosso mundo polarizado. Com raízes em uma determinação de princípios de transcender o egoísmo, a compaixão pode quebrar barreiras políticas, dogmáticas, ideológicas e religiosas. Nascida da nossa profunda interdependência, a compaixão é essencial para os relacionamentos humanos e para uma humanidade realizada. É o caminho para a iluminação e é indispensável para a criação de uma economia justa e de uma comunidade global pacífica. 
Conheça mais aqui, em charterforcompassion.org